“As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu as conheço, e elas me seguem; eu lhes dou a vida eterna, e jamais perecerão; e ninguém as arrebatará da minha mão.” – João 10.27-28
Lembro-me como se fosse hoje: No afã de seguir a cartilha denominacional, decidi cursar Teologia. Já não bastava todos os bons livros que comprava aleatoriamente nas livrarias evangélicas, baseando-me apenas nas indicações que recebia ou do que lia nas contra-capas. Não queria mais apenas ser um esquentador de banco. Tinha que mostrar a Deus e aos homens que estava avançando firmemente em direção ao que considerava ser formação de um líder cristão qualificado.
Sem dinheiro, conversei com os diretores do Instituto onde cursaria Teologia. Aceitaram minha inscrição praticamente sem custos em troca de serviços prestados diariamente, chegando uma hora antes do início das aulas e ajudando a tirar cópias das apostilas, limpando a sala de aula, coisas assim.
Orgulhoso, dizia a todos que estava cursando Teologia. Aquilo soava lindo demais, era quase um curso superior, em breve aceito pelo MEC, estas patacoadas todas. Achava o máximo os mapas bíblicos sendo dissecados pelos professores, ver aquele monte de rabiscos em grego e hebraico sem entender patavina nenhuma sendo pacientemente explicados por meus mestres.
Sentia-me realizando um sonho! Se antes já tinha uma relação intensa com meu amado Senhor, imagine então todo “teologado”? Se já tinha experiências extremamente sobrenaturais na área de batalha espiritual, imagine então eu puxando meu canudo de teólogo e esfregando na cara do capeta? E assim eu caminhava, iludido por minha carnalidade, numa tentativa inútil de emoldurar meu Deus num quadro limitado, formalizando uma relação que, apesar de recente, era intensa, verdadeira.
Só que algumas coisas aconteceram neste meio tempo. Coisas ruins, muito ruins...
Um dia cheguei mais cedo do curso e minha ex-mulher não estava em casa. Senti um frio na espinha e saí de casa, deixando tudo como estava. Esperei dar o horário que costumava chegar e voltei para casa. Minha ex estava tomando banho. Naquela época ela assistia novelas e eu perguntei como tinha sido aquele capítulo. Ela comentou que tinha sido legal (bem genérico) mas não tinha prestado muita atenção por estar fazendo outras coisas em casa.
Perguntei então que horas ela tinha chegado e ela me disse que tinha sido tipo umas duas horas antes deu ter aparecido sem ela saber, ao que eu respondi: VOCÊ ESTÁ MENTINDO SUA P*$#@!, ONDE VOCÊ ESTAVA? EU CHEGUEI EM CASA NA HORA DA NOVELA E VOCÊ NÃO ESTAVA!
Prefiro não dar mais detalhes do que aconteceu naquela noite surreal (me dá náuseas mexer nesta fossa...). Só sei que parei o curso no mesmo dia por ter perdido (mais ainda) a confiança em quem deveria estar me dando apoio naquele momento de minha vida.
O que me dava um alento era já ter aquela relação com Deus que alguns tentava fazer eu considerá-la insuficiente e nela Ele me dizia que “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”... (Romanos 8.28)
Sem cursar Teologia e com o casamento cada vez mais deteriorado, decidi que não poderia conciliar estar fora de casa a noite para estudar com aquele barco indo a pique que era minha relação. Como estudar então?
Passei a comprar mais e mais livros, só que desta vez voltados para as matérias que tinha começado a estudar no Instituto Bíblico (prefiro não falar o nome para não revelar a denominação). E lá fui eu me engraçar com o primeiro livro que comprei, a respeito de Hermenêutica.
Todo pimpão, andava com aquele livro pra cima e pra baixo, fazendo um esforço desgraçado para conseguir avançar na minha leitura. O problema é que aquele primeiro livro parecia estar selado para mim, não conseguia romper o lacre, não conseguia ler mais do que duas páginas sem ter que parar, respirar fundo, voltar atrás e reler novamente.
Não saía água viva de lá! Não tinha fôlego, era árido, me tirava as forças. Pensava que teria que orar mais para ter entendimento daquilo tudo. Afinal de contas, seria autodidata até o momento que estivesse vivendo outro contexto relacional. Orando por “aquela” sabedoria específica, comecei a ouvir de Deus através de seu doce e irônico Espírito Santo (sim, Ele é bem irônico quando quer, e só quem com Ele se relaciona sabe disso) algumas coisas que iam contra meu intento de me aprofundar nas doces artes hermenêuticas.
Tentava racionalizar o que ouvia e dizia para mim mesmo que deveria ser alguma rádio pirata sendo sintonizada pelo meu receptor espiritual. Só que tinha outro problema: como dizia o Renato Russo em uma das músicas da Legião Urbana, “mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira...”. Sabia o que Deus queria mas estava fingindo não entender. Como poderia me mostrar uma pessoa digna de confiança para aqueles que me ouvissem anunciar as boas novas se eu não tivesse uma sólida base acadêmica na área teológica?
Para bater o último prego no caixão daquele debate com o Senhor, o Espírito Santo falou comigo claramente:
Você quer que Eu continue te guiando e falando contigo como sempre fiz ou prefere seguir a sabedoria deste mundo? Você me conheceu aprendendo regras de como se relacionar comigo e de como interpretar minhas palavras ou foi simplesmente se humilhando e pedindo sabedoria?
Com este esporro via megafone espiritual em minha orelha (e que reverbera até hoje), enfiei o rabinho entre as pernas, peguei o bendito livro da santa, imaculada e indispensável Hermenêutica Bíblica, rasguei folha por folha e fiz uma fogueirinha no fundo do quintal. Entendi que buscava provas documentais para mostrar aos homens que eu tinha uma relação com o Senhor. O problema básico era o preço a ser pago por isso: Deixaria de ter uma relação pessoal e passaria a ser um mero expositor de um produto religioso chamado "deus".
Este meu relato talvez possa escandalizar alguns nobres irmãos que seguiram este caminho. Minha intenção não é esta. Quero apenas dizer que COMIGO o Senhor agiu e vem agindo desta forma. Como eu sei que é Ele e não coisa de minha cabeça? Por ser ovelha e conhecer a voz do Bom Pastor. Como eu posso provar isso? Não posso, apenas respondo por mim, assim como fez o cego de nascença aos que o interrogaram:
Então chamaram pela segunda vez o homem que fora cego, e lhe disseram: Dá glória a Deus; nós sabemos que esse homem é pecador. Respondeu ele: Se é pecador, não sei; uma coisa sei: eu era cego, e agora vejo. Perguntaram-lhe pois: Que foi que te fez? Como te abriu os olhos? Respondeu-lhes: Já vo-lo disse, e não atendestes; para que o quereis tornar a ouvir? Acaso também vós quereis tornar-vos discípulos dele? Então o injuriaram, e disseram: Discípulo dele és tu; nós porém, somos discípulos de Moisés." – João 9.24-28